sexta-feira, 20 de abril de 2012

Cronopios

Dia desses um amigo caminhou comigo tarde da noite para que eu não andasse até meu destino sozinha. Brinquei que depois eu deveria voltar com ele e ele comigo e eu com ele. Então ele disse: "Estamos presos!". E eu lembrei desses dois causos que aconteceram com um cronopio, personagem verde e úmido, amigo das famas e das esperanzas, na obra "Historias de cronopios y de famas", de Julio Cortázar. É um dos meus livros mais queridos. Indico. 


"La foto salió movida


Un cronopio va a abrir la puerta de calle, y al meter la mano en el bolsillo para sacar la llave lo que saca es una caja de fósforos, entonces este cronopio se aflige mucho y empieza a pensar que si en vez de la llave encuentra los fósforos, sería horrible que el mundo se hubiera desplazado de golpe, y a lo mejor si los fósforos están donde la llave, puede suceder que encuentre la billetera llena de fósforos, y la azucarera llena de dinero, y el piano lleno de azúcar, y la guía del teléfono llena de música, y el ropero lleno de abonados, y la cama llena de trajes, y los floreros llenos de sábanas, y los tranvías llenos de rosas, y los campos llenos de tranvías. Así es que este cronopio se aflige horriblemente y corre a mirarse al espejo, pero como el espejo esta algo ladeado lo que ve es el paragüero del zaguán, y sus presunciones se confirman y estalla en sollozos, cae de rodillas y junta sus manecitas no sabe para que. Los famas vecinos acuden a consolarlo, y también las esperanzas, pero pasan horas antes de que el cronopio salga de su desesperación y acepte una taza de té, que mira y examina mucho antes de beber, no vaya a pasar que en vez de una taza de té sea un hormiguero o un libro de Samuel Smiles."


"Historia


Un cronopio pequeñito buscaba la llave de la puerta de la calle en la mesa de luz, la mesa de luz en en dormitorio, el dormitorio en la casa, la casa en la calle. Aquí se detenía el cronopio, pues para salir a la calle precisaba la llave de la puerta."

domingo, 8 de abril de 2012

Pergunte ao Pó

Há tempos não apareço por aqui. É difícil escrever algo sobre escritas tão melhores que a sua própria... 

Faz um tempo li "Pergunte ao Pó", de John Fante. É um livro dos caros, não no sentido monetário da palavra. Um clássico da literatura norte-americana. Tem um ritmo que faz o coração do leitor acelerar junto com o do personagem. Alguns posts abaixo transcrevi a introdução que o Charles Bukowski fez para ele. 

Agora estou lendo "Espere a primavera, Bandini", que conta a origem do protagonista de "Pergunte ao Pó". Por isso, ontem fui lembrada de uma música, que ainda não parou de cantarolar na minha mente. Deixo pra vocês...


domingo, 6 de novembro de 2011

Conto de facas

"Não era amor, era um filme pornô"

Enzo Potel, no maravilhoso livro Conto de facas que fizeram o favor de descobrir por mim.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Chico Buarque

Faz um bom tempo que não escrevo nada aqui. Isso reflete o quanto eu tenho lido ultimamente, mas tudo bem, porque já no primeiro post deste blog eu prometi que não prometeria periodicidade. Hoje resolvi voltar. Não pude deixar de replicar algo de magistral que li sobre o Chico Buarque na The Piauí Herald. Segue:


Bilhete de Chico Buarque à diarista é considerado magistral




LEBLON – “Socorro, por favor deixa um guisadinho de abóbora com carne para o fim de semana. Obrigado, Chico.” Escrito na última sexta-feira por Chico Buarque e endereçado à sua diarista Maria do Socorro, o bilhete veio a público ontem e foi imediatamente considerado excepcional por boa parte da crítica brasileira.

Na Folha, o crítico Roberto Kaz ressaltou como a tensão dialética empregada por Chico desnuda as contradições da sociedade brasileira. “Há na mensagem esse magma complexo que nos define – delicadeza e opressão, gentileza e comando, flor e aço. É toda a relação ambígua entre as classes que se dá a ver nestas 15 palavras”, apontou.

Epaminondas Veras, do Estadão, preferiu ressaltar o sentimento agônico que se instala no leitor ao cabo da leitura. “Terá Socorro deixado o guisadinho? Estamos na estação das abóboras? Nada disso se resolve na leitura, e Chico nos deixa a contemplar a possibilidade do abismo. É uma experiência devastadora”, escreveu.

No Globo, Rodrigo Fonseca publicou uma longa coluna sobre “as vitalidades contraditórias de uma estética que decerto bebe na fonte do primeiro Scorsese, apenas para, em seguida, dar meia volta e se encharcar de perplexidade bergmaniana, sublinhada, com agudez certeira, na pungência visceral da primeira palavra: Socorro.”

José Ramos Tinhorão foi uma das poucas vozes discordantes. Em ensaio nos Cadernos do CEBRAP, o crítico lembrou que a abóbora não é uma espécie nativa, e que Chico, no bilhete, revela a falta de potência criativa do colonizado entregue ao gosto estrangeiro, estranho às suas gentes. “Sabemos, ademais, que abóbora, no Brasil popular, é conhecida por jerimum. O registro erudito de Chico Buarque nada mais é do que um sinal de seu apartamento dos pobres do país. O seu cardápio é o da aristocracia, não o do proletariado. Chico se americanizou.”

A Casa de Rui Barbosa anunciou que concederá, a partir de setembro, duas bolsas de pesquisa para estudantes de doutorado que queiram se dedicar ao estudo dos recados deixados por Chico na secretária eletrônica de seu personal trainer, Marcão. “Há dois anos começamos a estudar esse material”, revelou Wanderley Guilherme dos Santos, presidente da Fundação. “Em dezembro, um dos nossos pesquisadores defenderá uma tese de doutorado em que interpreta, à luz da neurociência, um dos mais famosos recados que Chico deixou para Marcão: ‘Marcão, estalei uma costela. Melhor desmarcar. Abraços, Chico’.”

“A tensão é quase insuportável”, declarou um pesquisador com acesso ao recado.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Bukowski, o "fodedor de bucetas"

Terminei Elogio da Madrasta há uma semana, mas não tive mais tempo para vir contar. Agora entendo por que quando a gente chega ao fim quer muito que mais alguém leia para podermos comentar sobre como as pessoas podem ser jaguáras (se você não sabe o que é isso, pode vir me perguntar).

Mas enquanto eu não vinha aqui, pensei em muitas coisas para escrever como, por exemplo, Charles Bukowski. Conheci esse autor na faculdade, quando eu estava em uma fase literatura norte-americana. Foi por meio de John Fante, escritor que lamento por ter lido apenas Pergunte ao Pó, seu livro mais célebre. Fante inspirava Bukowski
 e inspirou toda uma geração de jovens escritores americanos.


Bukowski me inspira. Acho que é porque ele é o cara mais jaguára que eu conheço. Passou a infância e a adolescência sofrendo os efeitos práticos da recessão de 1929 e de um pai brutal. Foi um bêbado, um vagabundo, um “fodedor de bucetas” imundo e escreveu tudo isso com tanta paixão que fez muita gente ter vontade de ser também. Para repetir o que eu andei lendo por aí, seu encantamento não se faz pelo valor literário, mas expressivo.  

Fica o prefácio que Bukowski escreveu para Pergunte ao Pó, em 1987. É uma das coisas mais deliciosas que eu já li. Vou dividir com vocês:

Prefácio de Pergunte ao Pó
por Charles Bukowski

Eu era um jovem, passando fome e bebendo e tentando ser um escritor. Fiz a maior parte das minhas leituras na Biblioteca Pública de Los Angeles, e nada do que eu li tinha a ver comigo ou com as ruas ou com as pessoas em minha volta. Parecia que todo mundo estava brincando de jogar com as palavras, que aqueles que não diziam quase nada eram considerados escritores excelentes. Seus escritos eram uma mistura de sutileza, artesanato e forma, e era lido e era ensinado e era ingerido e acabou. Era um esquema confortável, uma Cultura da Palavra, muito malandra e cheia de nove-horas.

Era preciso voltar aos escritores da Rússia pré-revolucionária para achar alguma ginga, alguma paixão. Havia exceções, mas essas exceções eram tão poucas que a gente as lia logo, e lá estava você olhando para filas e filas de livros chatos pra caralho.

Com séculos para olhar para trás, com todas as suas vantagens, os modernos não davam pra saída.
Tirei livro após livro das estantes. Por que é que alguém não diz alguma coisa? Por que é que ninguém sai gritando?

Tentei outros livros na biblioteca. A seção sobre religião era um pé no saco. Fui pra filosofia. Encontrei alguns alemães amargurados que me animaram um tempo, mas não passou disso. Tentei matemática, mas matemática superior era igualzinho religião: não saquei bulhufas. O que EU precisava parecia não existir em lugar algum.

Tentei geologia e a achei curiosa, mas, finalmente, insubstancial.

Achei alguns livros sobre cirurgia e gostei dos livros sobre cirurgia: as palavras eram novas e as ilustrações maravilhosas. Gostei particularmente e memorizei a operação no mesocólon.

Daí eu abandonei a cirurgia e voltei para a sala dos romancistas e contistas (Quando eu tinha bastante vinho barato pra beber eu nunca ia a biblioteca. Uma biblioteca era um bom lugar para ir quando você não tinha nada pra beber nem pra comer, e a dona da pensão estava atrás de você e do dinheiro do aluguel. Na biblioteca, pelo menos, você tinha uma privada que preste). Vi uma porção de vagabundos lá, a maior parte dormindo em cima dos livros.

Eu ficava andando pelo salão, tirando os livros das estantes, lendo umas linhas, algumas páginas, depois pondo de volta.

Então um dia peguei um livro, abri e lá estava. Parei por um momento, lendo. Então como alguém que achou ouro no lixo, levei o livro para uma mesa. As linhas rolavam fácil pela página, havia uma corrente. Cada linha tinha sua própria energia e era seguida por uma outra que nem ela. A própria substância de cada linha dava uma forma à página, a sensação de alguma coisa esculpida ali. E, aqui, afinal, estava um homem que não tinha medo da emoção. O humor e a dor estavam misturados numa esplêndida simplicidade. Começar aquele livro foi um selvagem e enorme milagre pra mim.

Eu tinha um cartão da biblioteca. Tirei o livro, levei-o para meu quarto, me joguei na cama e li, e eu sabia muito antes de terminar que aqui estava um homem que tinha desenvolvido um jeito diferente de escrever. O livro era Pergunte ao Pó; e o autor, John Fante. Ele ia ser uma influência permanente sobre o meu modo de escrever.

Terminei Pergunte ao Pó e procurei outros livros de Fante na biblioteca.
Achei dois: Dago Red e Espere Até a Primavera, Bandini. Eram da mesma categoria, escritos com as tripas e com o coração.
Sim, Fante teve um puta efeito sobre mim. Logo depois de ter lido seus livros, comecei a viver com uma mulher. Ela bebia mais que eu e tivemos umas brigas brabas e então eu gritava para ela:
- Não me chame de filho da puta! Eu sou Bandini, Arturo Bandini!

Fante era meu deus e eu sabia que os deuses devem ser deixados em paz, não se bate na porta deles. Mesmo assim eu gostaria de saber onde ele tinha vivido em Angel’s Flight e imaginei que ele ainda podia estar vivendo lá. Quase todo dia eu passeava por lá e pensava: foi por essa janela que Camila passou? Essa é a porta do hotel? E essa a portaria? Nunca cheguei a saber.

39 anos depois, reli Pergunte ao Pó. Isto é, reli este ano e lá estava ele inteiro, como as outras obras de Fante, mas esta é a minha predileta porque foi minha primeira descoberta da mágica.

Há outros livros além de Dago Red e Espere Até a Primavera, Bandini. São Cheio de Vidae A Irmandade da Uva. E, atualmente, Fante tem um romance em obras, uma obra romance em processo, uma obra em obras, Um Sonho de Bunker Hill.

Através de outras circunstâncias, finalmente encontrei o autor este ano. Tem muito mais coisa na história de John Fante. É a historia de uma sorte terrível, e um terrível destino, e de uma coragem rara e natural.

Algum dia vai ser contada mas eu sinto que ele não quer que eu a conte aqui. Mas quero dizer que o jeito de suas palavras e o jeito do seu jeito são ainda os mesmos: fortes e bons e quentes.
Chega. Agora esse livro é de você.
(Extraído de Pergunte ao Pó - Editora Brasiliense, 1987)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Elogio da Madrasta



Terceiro capítulo do Elogio da Madrasta, de Mario Vargas Llosa. Na folha de rosto uma dedicatória a lápis de uma amiga em comum. Ela escreveu: “Leia e não goste”. Fica difícil. Ele é de uma perversão inteligente. Lembra Dalton Trevisan, mas é muito melhor.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A Greve

Seria até um pecado comunista não falar do conto A Greve, de Jack London, nesse blog após participar de uma paralisação de 40 dias no serviço público de Joinville. Envolvi-me com gosto nessa experiência e posso afirmar que cresci mais nesses dias do que em anos de vida comum (sem essa de me fazerem definir vida comum).

No ano passado, após uma greve de cinco dias, o Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Joinville (Sinsej) editou esse conto em um livro com imagens do movimento. Na época recebi um, mas como uma boa mercenária só me prestei a lê-lo há uns dois meses, quando passei a trabalhar na entidade. 

Há uma coisa para falar sobre a história: é foda. Ela fala de uma greve geral nos Estados Unidos, sob a ótica de um magnata. Eu aconselho a leitura a pessoas que tenham dinheiro, quanto mais dinheiro, mais indicado. Quem foi que disse que o trabalhador não tem direito de pagar com a mesma moeda tudo aquilo ao que é submetido a séculos?